Lucia sai correndo pelos pastos. Corria tanto que era obrigada a levantar o vestido, para que não caísse. Logo atrás dela, vinha o senhor Tumnus, correndo com suas perninhas tortas de fauno. Na verdade, ele sequer sabia por que estava correndo. Só ouviu um som estranho no ar, e no minuto seguinte a mais jovem dos reis de Nárnia estava correndo, desesperada, na direção que ele sabia estar Cair Paravel. Nunca viu Lucia tão decidida e tão apressada quanto naquele dia.
“Lucia” – ele a chamou, com a intimidade o suficiente que tinham para abolir o termo “rainha” – “O que houve? Para quê tanta pressa?”.“Você não ouviu, Tumnus?” – ela se virou, um sorriso tão belo que ele até ficou sem graça ao ver – “Não ouviu o som da trompa?”.
“Eu ouvi, mas ainda não entendo a pressa. Deve ser apenas o rei Caspian X querendo te achar”.
“Não, Caspian não toca a trompa assim” – ela olhou para cima, ao ver que Cair Paravel se aproximava – “É outra pessoa, e eu até sei quem é”.
“Não está pensando na Rainha Susana, está?”.
Lucia parou a corrida, o peito arfante devido a corrida. Olhou para o rosto de Tumnus, a testa levemente enrugada devido à dúvida.
“E se estiver pensando? Qual o mal nisso?”.
“Lucia, eu sei que você quer sua irmã aqui” – ele foi com cuidado, mas percebeu que não adiantaria muito, porque Lucia já estava mostrando sinais de desagrado – “E não duvido de sua palavra, sobre ser outra pessoa, mas será que é Susana mesmo? Quer dizer, você já a espera há tanto tempo…”.
“Você não acredita que Susana pode vir para cá” – Lucia rebateu, séria – “Mas eu conheço minha irmã. Eu sei que, cedo ou tarde, ela irá se redimir, e virá. E esse dia chegou. Eu sei que é ela tocando a trompa. Eu sinto”
“Eu só não quero que você se machuque, Lucia”.
“Não tem como eu me machucar” – a caçula dos Pevensie sorriu, animada – “Afinal, eu estava certa. Ela voltou”.
Lucia se pôs a correr de novo, deixando um senhor Tumnus preocupado para trás. Mas ela não se importava. Pelo menos não naquele momento.
A cada degrau de Cair Paravel que a jovem subia, ela podia sentir a emoção apertar mais em seu peito. Não que, um dia, tivesse deixado de sentir. Lucia sempre soube, de alguma forma, que a irmã voltaria. A Verdadeira Nárnia era incompleta sem ela, e o próprio Aslan acreditava na volta da mulher mais velha dos Pevensie. E, como sempre, Lucia confiou. Era o que ela sabia fazer de melhor, confiar. Dos quatro irmãos, ela foi a única que jamais duvidou. Talvez, por isso, ela tenha sido a primeira a entrar em Nárnia. Talvez, por isso, ela seja a única que sempre pôde ver Aslan, quando ela bem quisesse.
Mesmo assim, tinha que confessar que já estava agoniada. Dia após dia, esperava pacientemente, sentada e quietinha, enquanto via os outros habitantes da Verdadeira Nárnia perdendo a fé. Enfim, chegara o dia. Eis ali a grande prova. Tudo voltaria ao normal de novo.
Acelerando o passo, ela entrou no Grande Hall. Eustace e Jill estava parados numa coluna, como se espiassem alguma coisa. Olhavam na direção dos jardins de jasmins. Caspian estava sentado no trono de Pedro, e ria abertamente. Olhava para Lucia.
“Ela está ali, não está?” – a jovem perguntou, o sorriso que não cabia no rosto – “Eu sei que está”.
“Incrível” – Jill murmurou, os olhos fixos no jardim – “Eu jurava que ela não vinha”.
“Você tinha razão, Lu” – Eustaquio comentou, olhando para a prima – “Cedo ou tarde, aconteceria”.
“Eu não sei por que diabos vocês ainda não acreditam em mim” – ela comentou, sarcástica, antes de se voltar para Caspian – “Onde está Aslan?”
“Disse que a esperaria em seu quarto” – o rei respondeu, surpreso – “Mas como você…”.
“Eu simplesmente sei” – ela respondeu, antes de voltar a correr – “Obrigada, Caspian”.
Ela atravessou corredores, atropelou pessoas e poderia chutar que pisou no pé do Senhor Castor. Mas, quando entrou no seu quarto, aquele enorme quarto, imponente e esplendoroso, esqueceu tudo isso. Viu o rosto sereno de Aslan a encarando, e então ela teve total certeza. De tudo que acreditara, que tudo que vivera e de tudo que esperava. Nada era em vão.
“Você está realmente feliz, não está?” – o leão perguntou, esboçando o que ela sabia ser um sorriso.
“Obrigada, Aslan” – ela o abraçou, como de costume – “Sabia que jamais falharia conosco”.
“Não tem o que agradecer, Lucia. Você é a maior responsável por isso”.
“Eu?”
“Você” – ele se afastou para encarar a jovem nos olhos – “Graças a você que tudo isso começou. E foi graças a você que seus irmãos vieram até nós. Eu sequer teria forças para criar a Verdadeira Nárnia se não fosse a sua fé iluminando a todos nós”.
“Eu só faço o que posso, Aslan” – ela abaixou a cabeça, envergonhada – “Eu não sou muito forte, e nem muito esperta. Muito menos sou alguém que pode dar bons conselhos… mas eu faço sempre o que posso. Afinal, esse é meu lar, não é?”.
“Lucia Pevensie” – o leão se aproximou dela, e sua pata parou no busto da jovem – “Nárnia não seria nada se não fosse você, se não fosse o seu coração nobre palpitando. Você sequer precisa saber lutar… você é a alma de nosso mundo. Susana só pôde voltar porque recuperou a fé que, um dia, você pôs nela. pedro só pôde assumir sua posição como Grande Rei porque você o incentiva a ir em frente. Edmundo só pôde ser feliz porque você o consola. Os Pevensie só são os reis que são porque sempre existiu uma rainha destemida entre eles. Porque sempre existiu você”.
“Sabe, Aslan” – Lucia passou a acariciar a juba do imponente leão – “Eu não seria tão destemida se não tivesse a certeza de tudo que vivo. E hoje a minha maior crença se realizou. Eu não poderia ter pedido mais”.
“Que bom” – Aslan rugiu, fazendo Lucy gargalhar – “Vou avisar a todos da volta de Susana. Enquanto isso aproveite sua irmã, sim?”.
Lucia concordou, e após prestar reverência a Aslan, novamente correu para os jardins. Encontrou Pedro e Edmundo abraçando alguma coisa, ambos chorando e rindo ao mesmo tempo.
Entre os dois, estava Susana. Tão bela e tão altiva quanto Lucia se lembrava, porém estava sorrindo agora. E isso apenas a deixava mais bela.
“Uma vez Rei ou Rainha de Nárnia, sempre Rei ou Rainha de Nárnia” – Lucia murmurou, pegando em seu cinto a sua adaga e o seu elixir, os presentes que ela recebeu por ter acreditado em Nárnia, por ter sido sempre Lucia, a Destemida – “Obrigada, Aslan, obrigada por cumprir isso”.
E, com um grito, Lucia chamou a atenção dos outros três irmãos. Susana, assim que a viu, deixou uma lágrima cair, e pediu para que a irmã se aproximasse. Lucia não resistiu e abraçou a todos, assim como fazia quando era mais nova, como faziam quando viviam suas aventuras na antiga Nárnia.
Uma vez Rei ou Rainha de Nárnia, sempre Rei ou Rainha de Nárnia. E agora Lucia tinha total certeza disso. A Verdadeira Nárnia, finalmente, tinha os seus quatro reis de volta. E Lucia sabia: dessa vez, era pra sempre.
Fim
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